“Ame a arte em você e não você na arte. Constantin Stanislavski”
Não é tão simples assim…
Quando comecei a minha carreira na locução, procurei me espelhar nos locutores mais experientes, como todo bom padawan faz.
Lembro que conversei com grandes nomes das rádios da minha cidade e inclusive de outras gigantes do mercado nacional. Sempre que pedia conselho para estes gigantes, me diziam:
“Pare pra ouvir os bons locutores e procure imitá-los. Faça sua locução do jeito que eles fazem as deles.”
É preciso ter resistência!
E, sem preparo nenhum eu o fiz. Fiz por meses. Ouvia e repetia como um belo papagaio. O resultado foi: DESAPONTADOR.
Por mais que eu imitasse sua melodia, tom de voz e interpretação, aquilo soava artificial, falso, caricato.
Isso acontece porque não somos quem estamos tentando ser. Não nos expressamos como ela, não respiramos como ela e não entendemos o mundo a nossa volta como ela. Consequentemente, a percepção e compreensão do texto que temos que interpretar nunca será a mesma e isso é absolutamente normal!
Então, esqueça essa de imitar o outro! Não funciona! Ah não ser que o projeto peça algo caricato, aí sim.
“Okay Dani, mas como faço pra ser natural então?”
Identificando a espécie: O que é a locução natural?
Boa pergunta! Afinal, o que é natural para mim pode não ser pra você. Afinal, somos seres humanos distintos com percepções e formas de reagir únicas! Por isso nossa profissão é magnífica! Por isso que eu falo que ninguém toma o trabalho de ninguém na locução publicitária, porque a sua percepção sobre um texto será unicamente sua, porque é a SUA reação de mundo!
Eu conheço uma pá de locutores que quando conversam comigo pessoalmente ou mesmo via áudio no whatsapp são maravilhosos de se ouvir!
Sabe aquela pessoa que você pode passar horas batendo papo tomando uma gelada ou um cafezinho de tão bom que é ouví-la falar sobre a vida e coisas em comum? Mas na hora de gravar uma locução se tornam outra pessoa! Mas não outra pessoa autêntica, outra pessoa forçada, que claramente está tentando colocar um efeito na voz seja mudando seu tom natural ou cantando enquanto se expressa, e isso NÃO É LEGAL! Porque não é ela! Se você não fala daquela maneira na vida real, por que fará assim diante do microfone?
É claro que, no final das contas é o seu cliente que dirá se está bom ou não, só que, se formos partir do princípio de uma locução natural, nem sempre o seu cliente vai saber o que é mas você deve saber se você está sendo natural ou não.
A locução natural é você sendo genuinamente você em cada situação!
A auto observação é o melhor caminho. Avalie bem o que aquele texto tá te passando, o que ele quer realmente dizer? Qual é a intenção desse texto e pra quem ele é destinado? Imagine uma pessoa próxima que você conheça que mais se encaixe no perfil daquele texto e fale pra ela. Seja sincero com você e perceba se você realmente expressa aquele sentimento contido no texto na vida real.
Se aquele texto tá passando algo mais íntimo, mais sofisticado, perceba se quando você fala intimamente com alguém, você realmente usa aquele tom de voz e fala daquela maneira que gravou.
Treine sua percepção e sensibilidade. Ela mora em você!
Um bom exercício pra encontrar a naturalidade em você é ouvir seus áudios quando você está conversando com seus amigos no whatsapp. Você vai conseguir entender melhor como reage naturalmente quando está empolgado, irritado, chateado, apaixonado etc.
Então, quando for gravar uma locução, conseguirá permear com mais ou menos intensidade dentro do limite daquilo que é familiar pra você dentro daquele sentimento. Consequentemente, você irá identificar verdade na peça que acabou de performar.
Não finja ser outra pessoa! Seja você!
Não busque voz com efeito ou variações de melodia na sua locução. Sua locução não pode ser um som enfeitado, mas sim uma expressão verdadeira.
Entenda, locutores são atores! E como bons atores, devemos prezar sempre pela veracidade da nossa atuação, e essa veracidade é resultado do quão acreditamos naquilo que estamos dizendo.
Se imagine na seguinte situação: Você ficou sabendo por fontes seguras que a mulher do seu melhor amigo tá traindo ele com o Ricardão. E leve em conta que seu amigo e ela são casados há mais de 10 anos.
Agora pense em tudo que move você a contar essa dura verdade pro seu amigo? Qual é o propósito? Qual é a sua verdadeira intenção que te impede de ficar de boca calada sobre o assunto? Você não quer ver seu amigo sofrer mais, não quer que ele seja feito de bobo. Você precisa falar a verdade pra ele mas ao mesmo tempo precisa falar com cuidado pra amenizar sua dor e nem deixa-lo fazer qualquer besteira.
Pronto! Agora se um dia você for gravar um texto que exija uma certa cautela e intimidade pra falar com seu público, você poderá utilizar da mesma carga emocional que usou pra falar com seu amigo traído. Um bom exemplo pra isso seria, talvez, uma campanha publicitária para convocar um público masculino mais ignorante a fazer um exame de próstata. Você precisa ser pontual, cauteloso e ao mesmo tempo íntimo, para que aquela galera leve você a sério. Se você entende a intenção verdadeira do texto você tem um objetivo pra dizer o que precisa, e entendo pra quem você deve falar, você saberá como dizer, como se fazer claro e empático.
Ouça. Perceba se você se expressa dessa forma no seu dia a dia. Se a resposta for afirmativa, você estará no caminho certo.